segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Que 2013 seja um bom ano


Desejo a todos os leitores um ano cheio de subsídios de férias, de Natal, outros subsídios bem como descidas de impostos. Enfim, que possamos viver acima das nossas possibilidades.

sábado, 29 de dezembro de 2012

A situação normal


Os economistas clássicos e neoclássicos consideravam as baixas taxas de crescimento a situação normal dos países desenvolvidos – aliás, os “clássicos” Ricardo e Malthus são até conhecidos pelo seu pessimismo. Em geral, taxas de crescimento económico elevadas não sugeriam prosperidade, estabilidade ou modernidade, eram antes vistas como um sinal de transição de economias atrasadas, sujeitas a transformações aceleradas – à semelhança do que se passa hoje, por exemplo, na China. Entretanto o espantoso e inesperado crescimento económico do pós-guerra na Europa deixou os economistas tão fascinados e deslumbrados a ponto de muitos não perceberem que se tratava de um fenómeno irrepetível. A razão principal dessa situação anormal, que durou até ao início dos anos 70, foi a catástrofe económica anterior: duas guerras devastadoras, com uma grande depressão pelo meio, criaram um enorme potencial de crescimento, uma espécie de efeito do tempo perdido.
No fundo, as baixas taxas de crescimento económico da maioria dos países europeus (incluindo a Alemanha) verificadas nos últimos anos não nos deviam espantar. É essa a situação normal, tal como nos explicaram os economistas clássicos e neoclássicos há mais de um século.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Os amanhãs que cantam

Durante muito tempo, os intelectuais marxistas, por cegueira ideológica, não viram (ou não quiseram ver) e não perceberam as terríveis consequências do comunismo. Pior: as barbaridades sem nome dos países comunistas pareciam-lhes justificáveis em nome de um futuro radioso. O sofrimento dos povos era o caminho para a redenção e a salvação da humanidade – como é sabido, o marxismo abarca muita da escatologia cristã tradicional, mas adiante. Tratava-se, pois, aos olhos dos marxistas, de uma “destruição criativa”, dos escombros do capitalismo nasceria uma sociedade mais justa e humana, expurgada da maligna propriedade privada, considerada a origem do mal. E carradas de políticos e intelectuais (alguns extremamente inteligentes e brilhantes) acreditaram piamente nestas profecias, que, contra toda a evidência, tomavam como “científicas”. Em suma, fossem quais fossem os custos no presente valia a pena impô-los aos outros pelos maravilhosos benefícios do longo prazo.
Por mais estranho que pareça, há semelhanças inquietantes entre o fanatismo marxista e os seus “amanhãs que cantam” e o discurso do primeiro-ministro, perdão, do nosso amigo "Pedro". Escreveu ontem no Facebook o "Pedro":
“A eles, e a todos vós, no fim deste ano tão difícil em que tanto já nos foi pedido, peço apenas que procurem a força para, quando olharem os vossos filhos e netos, o façam não com pesar mas com orgulho de quem sabe que os sacrifícios que fazemos hoje, as difíceis decisões que estamos a tomar, fazemo-lo para que os nossos filhos tenham no futuro um Natal melhor.”
Os “sacrifícios” de hoje, as “difíceis decisões” do presente são, pois, o preço a pagar por um futuro melhor. O que é isto senão um acto de fé?

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Tempos interessantes


No dia 13 de Julho de 1932, ante uma plateia de universitários de Paris, disse Paul Valéry:

“Viveis tempos interessantes. (…) Os tempos interessantes são sempre tempos enigmáticos que não prometem descanso, nem prosperidade, continuidade nem segurança. (…) Nunca a humanidade juntou tanto poder e tanta desordem, tanta apreensão e tantas diversões, tanto conhecimento e tanta incerteza.”

Oitenta anos depois, as palavras de Valéry tornaram-se ainda mais lúcidas.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Estou totalmente de acordo com estas declarações de Passos Coelho

“Queixam-se de lhes estarmos a pedir um esforço muito grande e dizem que estão apenas a receber o que descontaram” ao longo da sua vida de trabalho”, afirmou o primeiro-ministro, para a seguir contrariar tal teoria. “Não é verdade. Descontaram para ter reformas, mas não aquelas reformas” que hoje recebem, vincou o chefe do Governo. 
Estão, na verdade, realçou ainda, “a receber mais do que descontaram”. E as suas reformas são pagas porque está hoje a trabalhar e que, quando chegar a sua vez de ser pensionista, terá reformas mais baixas do que os níveis de hoje. Os contribuintes de hoje terão reformas de acordo com a sua carreira contributiva".
Retirado daqui.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Factos sobre o crescimento do sector não transacionável


"Numa altura em que urge criar riqueza no país e gerar novas bases de crescimento económico, é necessário olhar para o que esquecemos nas últimas décadas e ultrapassar os estigmas que nos afastaram do mar, da agricultura e até da indústria, com vista a produzirmos, em maior gama e quantidade, produtos e serviços que possam ser dirigidos aos mercados externos." 
 Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República
21 de novembro de 2012, citado no Expresso online.

Num trabalho em co-autoria com o Pedro Bação analisamos a evolução dos sectores não transacionáveis na economia portuguesa. Destacamos os seguintes factos:

1. O padrão de crescimento dos sectores não transacionáveis na economia portuguesa foi semelhante ao observado noutros países desenvolvidos. No entanto, desde o início dos anos 1990, o crescimento desses sectores foi significativamente mais forte do que nos outros países. 
2. A expansão dos sectores não transacionáveis tem sido muito rápida, tendo ocorrido à custa do sector agrícola no período 1953-95, e à custa da indústria no período 1995-2009.
3. Em 2009, os sectores não transacionáveis (definidos como a soma da construção e serviços) representavam 68% do Valor Acrescentado Bruto total, excluindo os sectores dos serviços expostos à concorrência internacional, e 81,1% daquele valor, considerando todos os serviços como não transacionáveis.
4. Mais de 50% do aumento do peso dos sectores não transacionáveis, no período desde a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, ocorreu nos anos 1988-1993.
5. Desde 1986, o sector da construção e os serviços sujeitos a uma forte procura pelo Estado (educação e saúde, por exemplo) foram os principais motores do aumento do peso dos sectores não transacionáveis na economia portuguesa.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Re: Cartas transatlânticas

Respondendo ao desafio que me foi lançado pelo meu amigo Fernando Alexandre num dos comentários ao meu artigo publicado em “Destreza das Dúvidas”, titulado “Cartas Transatlânticas”, aqui estou eu, sentado no outro lado do Atlântico, procurando arredondar umas ideias sobre a minha experiência de leitura nos chamados e-books ou, para me exprimir mais portuguesmente, nos livros de suporte electrónico, cujas marcas me dispenso de nomear, por via de alguma publicidade enganosa que possa vir a fazer sem ganhar um cêntimo… Em primeiro lugar, o peso e as medidas do utensílio, cerca de cento e poucos gramas, as dimen­sões ainda mais pequenas do que a página de um livro, o que evita tendinites e outras desgraças termina­das em ite (não con­fundir com o final da missa, no santo tempo em que ainda era gargan­teada em Latim, ite missa est, cuja versão livre se vertia num grande refrigério para certos infiéis como eu, e traduzida à letra por dita missa esta, como certo beatério, versado no latinó­rio e em suas declinações trasladava para vernáculo lusitano), mas, e retomando o fio à meada das palavras acabadas em ite, temos também capsulite e artrite derivado do peso do calhamaço ou do dicionário; rinites alérgicas, no tocante aos narizes avessos ao secular pó cientifico-cultural arraigado nos livros e tratados de alta erudição da gasparina figura, não con­tando com a fragrância à tinta de impressão, que nenhum bem fazia aos trabalhadores das velhas tipografias, atreitos a sofrer de uma doença exclusiva e cujo nome me não ocorre neste instante: actualmente, e sobretudo para quem lê pouco e finge o contrário, o cheiro e a tactilidade do livro provocam-lhe a impressão de palpar um corpo perfumado de mulher retrovertido em Kama­sutra, numa saborosa sensação plena de graça e deleite… Muitos leitores ainda não afei­tos aos mecanismos modernos deste mundo semovente principiam já a enrolar-se no cobertor de papa de uma saudade que há-de esvanecer-se com o matiz do tempo, pois tudo passa, até o mais evocado aroma, cheiro ou cheirete; há ainda as conjun­ti­vites, residentes nos olhos mais sensíveis e lacrimejantes que se fatigam a ler em corpo de letra pouco ade­quado à sua conjuntiva ou conjuntura ocular, o que os leva a apa­gar a luz logo às primei­ras frases, por já não aturarem os ardo­res que a leitura pro­voca… No livro com suporte electrónico não se contraem inflamações terminadas em ite. O bom ecrã não reenvia qualquer brilho aos olhos, por isso a conjuntivite não tem emprego como tantos milhares de portu­gueses ou milhões de espanhóis, além de que se pode aumentar o corpo de letra, não sendo necessária a lupa ou o binóculo; em sua espessura de vespa contém milhares de calhamaços, sem qual­quer odor, quer sejam livros velhos ou acabados de sair da tipo­grafia; só pesam exac­tamente o que pesa o suporte, tenha ele só um livro ou milhares deles; quanto a tendinites, o mesmo se aplica ao que se escreveu para a conjuntivite: não há volume, grosso ou fino, que tenha peso: a insustentável leveza do ser livre ou livro, que neste caso pesa pouco: cento e poucos gramas; o dicionário que outrora se encontrava à mão, ou sobre a mesi­nha-de-cabeceira, já não prega as suas partidas com seu peso desmedido, nem cai desam­parado no chão, descadeirando-se nos seus milhares de palavras: está preso, salvo seja, dentro do suporte do livro electrónico, bas­tando, para o consultar, pôr o cursor atrás do vocábulo cujo sig­nificado se não sabe, e logo aparece a definição da palavra, a sua etimologia e exemplos de como se pode empregá-la nas suas diversas acepções e contex­tos: já não há justificação para se ter horror a esse cemitério de palavras, como um dia lhe chamou o grande escritor Miguel Torga; há escritores que fazem gala em afirmar que nunca ou raramente usam o tira-teimas, o nome que os tipógrafos davam aos dicionários, mas, isso, não será mais do que fogo-de-artifí­cio, tudo para que haja a espantação por parte do interlocutor de que tal génio genuíno conseguiu domar as palavras quase todas e transformá-las em cordeirinhas dóceis e obedientes; estou prestes a concluir, Fernando Alexandre. Só me faltam dois itens: a leveza de carregar, para onde quer que se vá, uma biblio­teca de milhares de volumes, no bolso, na pasta, no saco de via­gem, e escolher o ou os que mais me apetece ler, poesia, romance, ensaio, teatro, ciência, economia e tudo quanto numa biblioteca. Quanto ao segundo item, vou passar a prosa a Eça de Queirós, que no seu magnífico romance, As Cida­des e as Serras, anteviu a nossa era de tecnologia de ponta. Vale bem a pena ler esse romance, como de resto todos os livros escritos pelo melhor ou dos melhores escritores portugueses. Aí vai, pois, a transcrição de um passo do citado romance:
Não se abria um armário sem que de dentro se despenhasse, desamparada, uma pilha de livros! Não se franzia uma cortina sem que de trás surgisse, hirta, uma ruma de livros! E imensa foi a minha indignação quando uma manhã, correndo urgentemente, de mãos nas alças, encontrei, vedada por uma tremenda colecção de Estudos Sociais, a porta do WC!
Só pude, daqui de tão longe citar Eça, porque trouxe comigo a minha biblioteca ambulante. Não é isto uma maravilha? “E quem não há-de admirar os progressos do nosso século (XIX)”, dizia uma personagem do Eça. Só é triste não se poder aplicar tal frase aos dias de hoje… Não admira! Os cavacos e os coelhos e os gaspares e outros irracionais sentaram-se em cima do País e tomaram conta de nós!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Os Afortunados

Luigi Pirandello (1867-1936) deixou seis romances, 250 contos e trinta peças teatrais. Foi recentemente publicado em Portugal, pela Relógio D’Água, uma selecção de 28 contos. Pirandello, como era seu apanágio, temperou os contos com grandes doses de humor e cepticismo – nunca teve ilusões sobre o Homem.
«Os Afortunados» é um dos meus contos preferidos desta selecção. Um jovem, estudioso e formoso padre, a preparar o seu doutoramento em Roma, volta à sua Terra Natal para o enterro do pai, um usurário. Arturo Filomarino dedicou-se aos estudos e ao sacerdócio como forma de redenção dos graves pecados de usura de seu pai. No velório, encontra as suas quatro feias e antipáticas irmãs, já preocupadas com as partilhas. A sala está repleta de vítimas do pai; estas, no fim, vão em fila suplicar a D. Arturo que interceda por elas nas partilhas, argumentando que os juros que lhes haviam sido cobrados pelo pai as estão a deixar na miséria. Arturo fica atormentado. Só tem direito a um quinto do testamento e, por isso, não pode atender a todos os pedidos. Que fazer? Arturo viveu sempre para os estudos, completamente alheio de todas as coisas do mundo. Para mais, sempre quis obedecer aos seus superiores em tudo. Vai pedir instruções a Monsenhor Landolina, que dirige militarmente um colégio de órfãos. Conta-lhe a história e leva as letras herdadas, que Monsenhor, enojado, pede para não lhes tocar com as mãos e as pôr no chão. Quando Arturo confessa que estava a pensar em devolvê-las às desgraçadas vítimas do pai, Monsenhor contrapõe imediatamente: «Quem te diz que são desgraçados? (…) Desgraçados? Gente viciosa, homem, gente viciosa.» e manda Arturo pegar nas letras e entregar-lhas para assim servir os seus «pobrezinhos». E Monsenhor, implacavelmente, cobrou tudo até ao último cêntimo, à taxa mínima de 24%. Afinal de contas, «o dinheiro dos pobres é sagrado» e se os desgraçados choravam desalmadamente, exclamava: «Não importa! A dor é que vos salva, meus filhos.»

sábado, 1 de dezembro de 2012

Cartas transatlânticas

Ontem ou anteontem, já não me recordo, li um excelente artigo teu no blogue sobre o livro de papel e a sua substituição pelos novos meios tecnológicos. Concordo plenamente contigo, pois, como muito bem sabes, e apesar da minha provecta idade, sempre fui um entusiasta das novas tecnologias no que toca à leitura e à escrita. Já não consigo imaginar ver-me a escrever à mão em suporte de papel. Quanto à leitura, também verifico que se torna mais entusiasmante e, se não existe o cheiro ao papel e à tinta (antigamente dizia-se ou escrevia-se: tenho nas mãos um livro acabado de sair do prelo, as páginas ainda meio húmidas a cheirar à tinta da impressão...), se não há aroma, existe espanto, o espanto de levarmos no bolso uma biblioteca inteira... Aquando da vulgarização dos computadores nos anos oitenta do século passado, adquiri um, de mesa, Schneider de sua graça, que, apesar de pré-histórico (não tinha disco duro nem as funções que os actuais têm, tudo se fazia com põe disquete, tira disquete e daí os muitos enganos), me poupou muito tempo e papel, pese embora ter-me dado grandes desgostos por inépcia da minha parte: perdia textos, esquecia-me de os "salvar" e, ao abrir a máquina no dia seguinte, verificava, desconsolado e raivoso, que desaparecera o que tinha escrito, com tanto suor, na véspera. Nesse tempo, como tinha ainda a memória intacta, não me era difícil reconstituir o texto perdido, pois, como sabes, tudo quanto escrevo me sai a conta-gotas, palavra por palavra, e era fácil ficar com tudo discado na memória. O mesmo acontecia quando a electricidade se ia com o vento, o que era frequente no alto em que morávamos. Deixei, por outro lado, de ter o cesto de papéis a abarrotar com as inúmeras folhas de papel que ia deitando fora à medida que ia corrigindo, porquanto não suportava, nem suporto, ver emendas no papel, o que me levava a escrever tudo de novo, em página limpa, até à altura em que me surgia outra correcção e a dobadoira recomeçava, e os papéis se rasgavam, e o caixote se ia enchendo, até ao cimo da paciência... Ainda hoje tenho o hábito de gravar, quase linha a linha, o texto que tenho entre dedo (escrevo só com o indicador direito), resquícios do tempo em que tudo desaparecia por encanto! Por isso, gosto muito do computador moderno (parece o final de uma redacção da escola se, nesse tempo, já existissem tais máquinas endiabradas...), sobretudo do portátil, maneirinho, que me acompanha para todo o lado como cachorro fiel e que me guarda tudo e nunca se aborrece se desloco uma frase ou uma parte do texto do fim para o início ou vice-versa... Depois é muito limpo, deixa-me a página tal qual como se não tivesse caído um borrão de tinta de escrever sobre o papel de prova, o que dava pano para muita manga e palmatoada!

Aqui pelo Canadá já chegou a neve.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Os livros enquanto objectos de volúpia

Neste texto apaixonado, fala dos livros como objectos de desejo, aprendizagem e tacto.
Já há uns tempos que ando para escrever sobre isto. É comum ouvir os defensores dos livros e revistas em papel argumentarem que nunca o prazer, a sensualidade, a tactilidade ou o próprio cheiro de ler um livro poderão ser substituídos por um frio ecrã de computador (ou de iPad). O livro como um objecto de prazer não pode ser trocado por um gadget electrónico.

Como eu os entendo. Do imaginário adolescente, lembram-se dos poemas eróticos que leram em papel, do Kama Sutra em noites eruditas, da literatura porno de Henry Miller ou, os mais sensíveis, de alguns livros de Anaïs. Possivelmente, ainda têm guardadas as revistas da Playboy que compraram às escondidas e leram fechados no quarto. Imagino as sensações que se despertaram com a primeira capa da Playboy que foi, nem mais nem menos, com a voluptuosa Marylin Monroe.* Claro que gostam da fragrância do papel, quase que os imagino de nariz enfiado vasculhando as páginas centrais da revista.

Só que a malta de hoje lê o mesmo género de literatura, as mesmas revistas, vê as mesmas fotos e um pouco mais de vídeos, é certo. E fá-lo na privacidade de um ecrã, fechados no quarto. Assim, os seus sentidos são transferidos não para o papel, mas para o gadgets que cumprem as mesmas funções.

Em suma, a volúpia e a sensualidade, com todos os seus sentidos, estarão lá sempre, com ou sem papel. Não se preocupem que nada se perde.


* Não percam a edição de Natal da Playboy deste ano. Promete.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pasto fértil para ditadores

Existem ocasiões que assinalam o ponto de ruptura de um sistema político, em que os políticos deixam de ser capazes de comunicar, em que já não conseguem compreender a linguagem do povo que, por desígnio, deviam representar. Os políticos da República de Weimar encontravam-se todos a caminho de chegar a esse ponto em 1930. O crash de Wall Street em 24 de outubro de 1929 (a chamada quinta-feira negra) agravou tendências que já existiam antes.
Os 2,6 % obtidos pelo partido nazi na eleição para o Reichstag (parlamento alemão), a 20 de Maio de 1928, pareciam confirmar a exactidão dos comentadores e políticos alemães que há muito tinham vindo a anunciar o fim do movimento de Hitler. As coisas mudariam rápida e assombrosamente.
Ao brincar com o fogo, muitos políticos acabariam consumidos pelas chamas do nacional-socialismo. Sem a autodestruição do Estado democrático, sem o desejo de minar a democracia por parte dos que, em princípio, deviam salvaguardá-la, Hitler, por maiores que fossem os seus talentos oratórios e de agitador de massas, nunca teria chegado perto do poder.
27 de março de 1930 assinalou o princípio do fim da República de Weimar. A pretexto de um aumento da contribuição da entidade patronal para o fundo de desemprego de 3,5 para 4% dos salários brutos, a coligação desafinada entre o SPD e o DVP, que com a crise económica se havia deslocado para a direita, desintegrou-se. O chanceler Hermann Müller apresentou a demissão. Sucedeu-lhe Heinrich Brüning, líder parlamentar do Zentrum. As dificuldades não tardariam a manifestar-se. Na sequência de uma moção dos partidos da oposição contra o seu plano de cortes drásticos na despesa pública e de aumento de impostos, Brüning procurou, e conseguiu, a 18 de Julho de 1930, a dissolução pelo Presidente do Reich do Reichstag. A dissolução do Reichstag constitui uma irresponsabilidade absolutamente assombrosa. O objectivo de Brüning era passar por cima de um governo parlamentar, criando um sistema mais autoritário, em que a governação se faria por decreto presidencial. Brüning subestimou, e muito, a quantidade de raiva e frustração que grassavam pelo país. Os nazis nem queriam acreditar na sua sorte. Os resultados eleitorais do NSDAP subiriam vertiginosamente: 18,3% nas eleições de 14 de Setembro de 1930; 37,4% em 31 de Julho de 1932, passando a ser o partido mais votado; 33,1% em 6 de Novembro de 1932.
Os intelectuais também têm a sua quota-parte de responsabilidade pela tragédia que se viria a abater sobre a Alemanha. Muitos ajudaram a abrir caminho para o Terceiro Reich. As esperanças há muito acalentadas da chegada de um grande líder embotaram a capacidade crítica de muitos, cegando-os perante os evidentes ataques à liberdade de pensamento que eles até viam com bons olhos.
Hitler tinha a vantagem de não estar conotado com um governo impopular e sabia usar um tipo de linguagem que era compreendida por um número crescente de alemães, a linguagem do protesto acrimonioso contra um sistema desacreditado, a linguagem do renascimento e da renovação nacionais. Aqueles que não se encontravam fortemente arreigados a uma ideologia política, milieu social, ou subcultura alternativas achavam essa linguagem cada vez mais inebriante.
O presidente do Reich, o velho marechal Paul von Hindenburg, acabaria, contrariado, por nomear Hitler Chanceler a 30 de Janeiro de 1933.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

As cuecas da Madonna e a austeridade portuguesa

Comentário retirado desta notícia.
Eu sei Madonna (que não é o teu nome próprio!) que deve ter sido difícil para ti “subir ao palco de cuecas”, pois tenho a certeza que a tua equipa de produção te obrigou a tal. Eu sei que nunca farias tal “coisa” por iniciativa própria! Mas quero informar-te que nós, os portugueses, também contra a nossa vontade, mas por imposição crescente de um governo decrépito, caduco e degenerescente, com a conivência total de um presidente da república apático, trémulo e obsoleto, estamos a ficar … sem cuecas! Não! Não queremos rivalizar contigo, porque enquanto tu, Madonna, ganhas rios de dinheiro para te despires, nós sacrificamo-nos para manter a roupa que a cada dia parece querer fugir do corpo! Mas há uma semelhança, enquanto cantas quase nua és apreciada pelos teus fãs, nós os portugueses enquanto seguramos a pouca roupa que nos resta no corpo, deixamos espaço para a imaginação dos nossos governantes, para eles decidirem onde mais podem cortar, pois só assim seremos apreciados, por eles, pelo Durão Barroso, pelo FMI, pelo Banco Central Europeu, pelos banqueiros, … pelos agiotas.
Boa tournée, Madonna.
Domingos Silva

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O "doente da Europa"

 Na sexta-feira, a influente revista The Economist considerou a economia francesa o principal risco para a zona euro, uma bomba-relógio, devido à perda de competitividade e aos crescentes desequilíbrios orçamentais. O novo “doente da Europa” apresenta sintomas alarmantes. A despesa pública representa 57% do PIB, o valor mais elevado da Europa; a dívida pública está próxima dos 90% do PIB; a economia, de acordo com a maioria das previsões, deverá entrar outra vez em recessão a partir do quarto trimestre deste ano.
Em vez das prometidas “políticas de crescimento”, Hollande apresentou recentemente um orçamento com cortes que ascendem a 30 mil milhões de euros. Como seria de esperar, o homem que prometeu liderar um combate à ” política cega da austeridade” vê a sua popularidade cair a pique. Desgraçadamente, e ao contrário do que muitos nos querem fazer crer, a austeridade não é uma opção, é uma fatalidade.

A ver aviões

No dia 9 de Novembro, o secretário de Estado Carlos Moedas esteve presente na inauguração da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Beja. Ante os seus conterrâneos, proclamou: “Estou impressionado”. Compreende-se. A brincadeira, perdão, o investimento foi de 6 milhões de euros. Os laboratórios e o material são do mais moderno. Há apenas um pequeno problema. Não há alunos. O actual presidente do Instituto já afirmou que se tivesse dependido dele nunca se tinha estoirado, perdão, investido aquele dinheiro. Há quem acredite que os alunos hão-de vir um dia. É possível. Talvez venham de avião, dando, assim, utilidade ao aeroporto de Beja, onde recentemente se enterraram, perdão, investiram mais de 30 milhões, na esperança de que um dia os aviões aterrassem.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Já nem se nota quando o Presidente não faz greve

Estou a ouvir Cavaco Silva a dizer que não viu as imagens dos desacatos em frente à Assembleia da República! Não percebo, então o homem não anunciou que não ia fazer greve? Se estivesse de greve e não cumprisse as suas funções ainda teria desculpa para não ter visto as imagens em frente à Assembleia da República. Assim, não. 

Carga policial

Até ver este vídeo, considerava que as actuação policial tinha sido exemplar. Agora não. Depois de ver estas imagens -- parcelares, reconheço -- fico com a ideia de que deviam ter carregado bem mais cedo.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Na pele


As manifestações atravessaram hoje, com violência, toda a Europa do Sul: Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Prevê-se que em breve cheguem a França – o desemprego continua também aí a crescer. 

O que será estar na pele dos governantes destes países?

Com a excepção do Governo italiano, que é um governo de técnicos, todos os outros foram eleitos. Mas no fundo não há grandes diferenças entre eles. Todos procuram aplicar uma fórmula semelhante. Todos são acusados de se submeterem aos ditames de Angela Merkel. Todos tomam medidas de austeridade para controlar o défice e o crescimento da dívida no curto prazo e reformas no mercado de trabalho, segurança social, etc., esperando (ou acreditando) que estas tragam de volta o crescimento no médio/longo prazo.

Mas por agora só se sente a austeridade: redução de salários e aumento do desemprego. Em todos os países, todos protestam contra os cortes impostos pelos governos: funcionários públicos e de empresas públicas, jovens sem emprego nem perpsectivas. 

Desde o final do verão que todos perceberam que o potencial crescimento está num futuro muito incerto. E desde aí as manifestações sucedem-se.     

Distribuir reduções de benefícios é difícil para qualquer político, mas é-o muito mais para políticos que foram treinados a distribuir benesses. Poder-se-ia pensar que é menos doloroso para os ‘ministros técnicos’ – mas não creia que seja. Para aqueles que saíram das academias talvez seja ainda mais doloroso o choque com a realidade.

Uma condição necessária para as actuais políticas funcionarem é os cidadãos acreditarem que elas vão conduzir aos resultados esperados. Para os governantes que acreditam mesmo no caminho que está a ser seguido estas manifestações devem causar grande angústia. Até porque como alternativa eles só vêem o caos. E é esse, de facto, o vento que hoje se sente na Europa do Sul. E arrepia.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Direcção bicéfala do BE

Como é que o BE perdeu a oportunidade de ter uma liderança bicéfala com a Ana Drago e a Joana Amaral Dias? Está para além da minha compreensão.

domingo, 11 de novembro de 2012

Prioridade do BE

A prioridade do BE é derrubar o Governo. Imagino que depois Francisco Louçã ou os novos dirigentes indicarão o próximo primeiro-ministro que deveremos eleger.

sábado, 10 de novembro de 2012

Palavras difíceis


As palavras de Isabel Jonet foram desastradas. Mas o que dizer do Governo e do Presidente da República que não conseguem falar ao país?

A intervenção de Isabel Jonet na SICN é só mais um exemplo das dificuldades de comunicar o processo de empobrecimento por que estamos a passar. Em primeiro lugar, porque são palavras difíceis que as pessoas não querem ouvir. E não querem ouvir na maior parte dos casos por não terem ainda percebido a gravidade desta crise. 

Em segundo lugar, porque é difícil encontrar as palavras certas para dizer às pessoas que elas vão ter de aprender a viver com menos e de consumir menos. Mas que ainda assim a redução do seu bem-estar pode não ser proporcional a essa diminuição de rendimento e de consumo. O Poeta/Padre/Poeta José Tolentino Mendonça tem, em diversas ocasiões, encontrado as palavras certas, lembrando que esta crise, e a inevitável queda de consumo, pode levar-nos a valorizar aspectos que no nosso dia-a-dia muitas vezes esquecemos. E que são muito mais importantes. Fê-lo, por exemplo, num Prós e Contras há algum tempo atrás, onde estavam vários professores universitários a falar da crise, mas foi olimpicamente ignorado – olhavam para ele como se fosse um ovni (lembro-me bem da expressão facial de João Salgueiro). 

Em terceiro lugar, é impossível não sentir desde logo repúdio pela imediata associação com a ideia da felicidade na pobreza da ditadura salazarista.

No fundo, a Isabel Jonet falou daquilo que a esquerda mais tem falado durante esta crise: da destruição da classe média. E a classe média não gosta de ouvir falar disso. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Exportações, ouro e combustíveis (Set 2012)


Num post anterior, a 11 de Outubro, apresentei um resumo da balança de mercadorias até agosto, excluindo o comércio com combustíveis e ouro. Atualizo os dados anteriores com os valores hoje publicados pelo INE, referentes a setembro. Como foi hoje noticiado, as exportações caíram 6,5% em setembro face ao mesmo mês do ano passado. Excluindo os combustíveis e o ouro a queda foi de 6,0%. A diferença maior é nas importações: queda homóloga total de -8,4% mas de -12,4% sem aquelas duas categorias de produtos, o que indica um abrandamento muito forte na procura interna. Em resultado, a variação homóloga do saldo da balança de bens, excluindo combustíveis e ouro, é semelhante à do mês passado (diminuição do déficit em -66,6%). 

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O desastre da Televisão Digital terrestre em Portugal

A tese de Sérgio Denicoli já está disponível sobre a instalação da TDT em Portugal. Pode ser encontrada aqui. Quem não tem paciência para ler as 300 páginas pode ler apenas a conclusão, que está aqui: http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/TDT_Portugal/article/view/1067/1028
Se depois de ler as conclusões não sentir curiosidade para ler os capítulos que as sustentam é porque é muito pouco curioso/a.

Declaração de intenções

Não vou continuar a pagar a uma empresa para andar a perseguir colegas meus e condicionar futuros projectos de investigação. Sendo assim, hoje mesmo, tratarei de cortar com o MEO em minha casa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Seguimos as pegadas da Grécia?

Dados sobre as economias resgatadas da zona euro
 
Em Maio de 2010, a Troika anunciou um plano de resgate para a Grécia. Seguiu-se a Irlanda em Novembro de 2010. Em Maio de 2011 foi a vez e Portugal ser resgatado. Em Julho de 2012, a Espanha obteve um plano de assistência especial para os seus bancos - e mais ajuda é esperada.
Uma das principais questões relativamente a estas economias é a seguinte: quão similar é a sua evolução? Por outras palavras, se analisarmos o comportamento de uma delas, seremos capazes de dizer o que aconteceu, o que está a acontecer, ou o que irá acontecer a outras economias? 
A Grécia tem estado no centro da crise da dívida soberana da zona euro. Credores privados do Estado Grego sofreram já perdas. A saída da zona é aí discutida de forma aberta. Em Portugal, muitas vozes têm manifestado preocupação em relação à possibilidade de as medidas de austeridade colocarem Portugal na senda da Grécia. Nuno Garoupa, por exemplo, escreveu recentemente no Jornal de Negócios que Portugal é a Grécia com um desfasamento de dezoito meses. 
De forma a avaliarmos as semelhanças que existem entre estas economias, eu e o Fernando Alexandre construímos uma webpage onde apresentamos dados sobre o comportamento das economias objecto de um plano de assistência da Troika. De facto, quanto mais similares à Grécia forem estas economias, mais o euro estará próximo do seu fim. 
À data em que escrevemos, os indicadores disponíveis na webpage mostram que a Grécia se destaca pela negativa, com excepção do indicador relativo à dívida privada, no qual a Irlanda apresenta o maior rácio relativamente ao PIB, e da posição de investimento internacional, em que Portugal apresenta o pior desempenho.

domingo, 4 de novembro de 2012

“Na prática”, em democracia não vamos lá


Ontem, numa conferência em Coimbra, Manuela Ferreira Leite (MFL) esclareceu o que pretendeu dizer um dia com a “suspensão da democracia”. “Na prática”, MFL não acredita que seja possível, “em democracia”, resolver os problemas estruturais do país. “Na prática”, isto já não se endireita sem uma ditadura, benévola e de curta duração, presumo eu:
"Aquilo que eu na altura disse [quando falou da suspensão da democracia por seis meses] e que, provavelmente, neste momento é atual, é que em situações de extrema complexidade em que para ultrapassar os problemas complexos não se vê outra solução do que enfrentar ou afrontar determinado tipo de corporações, determinado tipo de interesses, possivelmente isso não é muito possível, na prática, ser feito em democracia", argumentou a antiga governante.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O capitalismo, os mercados de crédito, o modelo chinês e a proposta de Francisco Louçã


O Bloco de Esquerda, talvez para se distinguir do Partido Comunista, não inclui explicitamente nos seus objectivos o fim do capitalismo. Refere apenas a ‘busca de alternativas ao capitalismo’  e aina que defende e promove ‘a perspectiva do socialismo como expressão da luta emancipatória da Humanidade contra a exploração e a opressão’. Esta indefinição, associada ao charme burguês de muitos membros deste partido, causou-me sempre alguma perplexidade sobre o tipo de sistema económico e de sociedade subjacente àquele projecto político.    

Hoje, em entrevista ao jornal Público, Francisco Louçã defende que um Governo de esquerda (que não inclui certamente o PS nesta definição) tem que “controlar o crédito em Portugal”. E prossegue defendendo que

Esse controlo é necessário "para evitar o desvio da capacidade produtiva" e "a perda de investimento para a especulação financeira", que advém de existir "um sistema financeiro que se alimenta da especulação sobre o seu próprio país" (…) "Controlar o crédito é a medida essencial para ter uma política virada para o investimento."

Ou seja, parece-me que a alternativa apresentada pelo em breve ex-líder o BE é um sistema ‘capitalista’ do tipo chinês: controlo do crédito pelo Estado e aposta no investimento.

De facto, no pseudo-capitalismo da República Popular da China, a propriedade privada já é permitida. No entanto, falta-lhe um elemento fundamental do sistema capitalista: a livre iniciativa, de onde brota a inovação ou a ‘destruição-criadora’ como lhe chamou Schumpeter. Na China, a livre iniciativa está coarctada pelo controlo dos mercados de crédito pelo Estado, estando a escolha dos projectos de investimento nas mãos de burocratas, o que torna a corrupção num dos seus mais graves problemas. A China investe todos os anos, há décadas, cerca de 40% do rendimento, sendo o excesso de capital e a sua baixa produtividade são outro grave problema desta economia.

Em Portugal também temos o exemplo de algumas decisões absurdas da Caixa Geral de Depósitos, que nos podem dar uma ideia do tipo de problemas que poderiam resultar de termos o crédito nas mãos do Governo. Claro que esta proposta de Francisco Louçã assume certamente que os dirigentes estariam imunes a pressões e teriam a capacidade técnica de identificar os investimentos que garantiriam o crescimento da economia.

No entanto, é ainda importante recordar que para haver crédito para o Estado distribuir é preciso haver poupança, nacional e/ou internacional. Na China é nacional: a taxa de poupança aproxima-se de 50% do PIB, o consumo representa apenas cerca de 30% do PIB. Ou seja, o investimento é financiado à custa das famílias, que poupam porque não existe Estado Social e o crédito ao consumo é incipiente.

Em Portugal, com um Governo do tipo sugerido por Francisco Louçã, o crédito teria de ser alimentado por poupança nacional – embora falte informação, não são precisos especiais dons de predição para adivinhar o que aconteceria à classe média com este projecto.

Sendo necessário introduzir correções no funcionamento dos sistemas financeiros ocidentais, não acredito nesta alternativa de Francisco Louçã porque continuo a acreditar que o capitalismo é o melhor de todos os sistemas e o crédito bancário é essencial ao seu funcionamento. Recordo a esse propósito a definição de Capitalismo que Joseph Schumpeter escreveu para a Encyclopaedia Britannica:

“Uma sociedade diz-se capitalista se entregar a condução do seu processo económico à iniciativa privada. Pode dizer-se que isto implica, em primeiro lugar, propriedade privada dos meios de produção (…); em segundo lugar, implica produção por iniciativa privada (…); Mas, em terceiro lugar, o crédito bancário é tão essencial ao funcionamento do sistema capitalista que, apesar de não estar estritamente implicado na sua definição, deve ser acrescentado aos outros dois critérios.” 

sábado, 20 de outubro de 2012

Este mundo é feito de mudança, mas infelizmente só tem mudado para pior


Em Maio de 2010, mostrando que também leio os clássicos, escrevi na antiga Destreza um poste sobre a mudança do mundo, motivado por uma entrevista do então Primeiro-Ministro José Sócrates, em que afirmou ser errado reduzir os salários dos funcionários públicos – a Espanha já tinha anunciado um corte. Para mim era na altura óbvio que também teríamos de passar por isso. Mas, sim, é verdade, até há dois anos discutíamos se seria necessário reduzir salários da função pública.

Repita, se faz favor: até há dois anos discutíamos se seria necessário reduzir salários da função pública.

Em 29 de setembro de 2010, José Sócrates lá foi obrigado a anunciar um corte médio de 5% nos salários dos funcionários públicos. Que se mantém em vigor: no meu verbete consta desde janeiro de 2011 - Redução de Vencimento = 343,61 euros. No final do Verão de 2011, para fazer face ao desvio colossal, o novo governo PSD/CDS anunciou a sobretaxa especial sobre o subsídio de Natal. No início do Outono de 2011, recebemos a notícia choque (mesmo para mim!) que aos funcionários públicos, em 2012, seriam cortados até dois salários. Ou seja, no meu caso, receberia menos três salários do que em 2010. 

Para quem estuda a economia portuguesa e segue com alguma atenção as decisões de política económica, parece desnecessário recordar estes factos. Ainda estamos no início do processo de ajustamento, acontecendo este num contexto internacional recessivo. 

Repita, se faz favor: Ainda estamos no início do processo de ajustamento, acontecendo este num contexto internacional recessivo.

Mas, infelizmente, é necessário recordar estes factos. Foi a leitura do artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje que me recordou que a memória das pessoas é muito curta e que sem memória perdemos a ligação ao real – levando, porventura, ao pensamento balofo de que fala Pacheco Pereira.

O artigo de Pacheco Pereira, reflectindo em certa medida o que se passa na rua, mostra a dificuldade das elites e de grande parte dos fazedores de opinião em aceitar o caminho muito estreito que Portugal tem pela frente e a sua dependência do exterior. Este artigo, como o de 29 de setembro do mesmo cronista, ilustra, como talvez nenhum outro, aquela resistência. Mas ilustra também a incapacidade de propor alternativas. No caso de Pacheco Pereira, com a excepção da proposta de mudança de governo, esta incapacidade de apresentar propostas é tão mais notória quanto ele tem vindo a referir a necessidade de alternativas, que depois não propõe. Talvez no artigo do próximo Sábado...

Artigos como os daquele cronista, que hoje grassam na imprensa nacional, fazem-me lembrar aqueles ditos que há uns anos surgiam nas manifestações anti-globalização: Um mundo melhor é possível… 

Refiro o exemplo de Pacheco Pereira, porque esteve desde o início, isto é, desde ‘discurso da tanga’ de Durão Barroso em 2002, ao lado dos que defenderam a necessidade de correção dos desequilíbrios nas finanças públicas – sendo aliás um dos aliados de Manuela Ferreira Leite nesse combate.

É verdade que o mundo mudou muito desde o ‘discurso da tanga’ e do tempo em que Manuela Ferreira Leite foi candidata ao lugar de primeiro-ministro. E mudou desde a crise da dívida soberana de 2010. E mudou desde a assinatura do memorando de entendimento com a troika em 2011. E tem mudado com a subida do preço do petróleo. E está a mudar com uma nova recessão na zona euro. E vai mudar com o pedido de resgate da Espanha. Ou seja, o mundo tem mudado e vai continuar a mudar nos tempos mais próximos. Infelizmente, só tem mudado para pior e deve ser essa a trajectória nos tempos mais próximos.

Repita, se faz favor: o mundo tem mudado e vai continuar a mudar nos tempos mais próximos. Infelizmente, só tem mudado para pior.

Eu também esperava muito mais deste governo e acho que tem fazer muito melhor. No entanto, neste contexto de elevada incerteza, a estabilidade política e o cumprimento das condições impostas pela troika são a melhor escolha que podemos fazer.

Repita, se faz favor: neste contexto de elevada incerteza, a estabilidade política e o cumprimento das condições impostas pela troika são a melhor escolha que podemos fazer.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Horror e fim

Nos primeiros meses de 1945, no meio de um inverno rigoroso, milhões de alemães tentavam desesperadamente não cair nas mãos dos bolcheviques. O pânico era enorme, sobretudo depois das primeiras amostras de atrocidades, impensáveis mesmo nas noites mais escuras, cometidas pelos russos à medida que avançavam em direcção a Berlim. A sede de vingança dos bolcheviques era insaciável. As chefias exigiam que não se exibisse qualquer espécie de piedade, relembrando com insistências o que os alemães haviam feito às mulheres e aos filhos da Rússia.
“Tenho esperança num fim com horror, em vez de um horror sem fim”, tornou-se naquela época uma frase comum entre os alemães.

O guardanapo de Gaspar

Ontem o Luís interrogava-se sobre o modelo de Gaspar. Pois bem, descobri o guardanapo que contém os cálculos para os 50000 empregos gerados pelas alterações da TSU. Aqui vão:
+ total de trabalhadores por conta de outrem em 2011: 3,815 milhões  (PORDATA / INE)
- funcionários públicos em 2010: 516 mil ( PORDATA)
(A) Total trabalhadores por conta de outrem sector privado: 3,299 milhões.

(B) Elasticidade agregada da procura de trabalho: -0,3 (Cahuc & Zylberberg, 2004, p.210).
(C) Redução da TSU empregadores: -5,75 pontos percentuais.

Efeito no emprego: 3,299*(-0,3)*(-5,75/100)=0,056908 milhões (ou seja, arredonda-se por defeito para os 50 mil).

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Bien sûr, Monsieur President

François Hollande declarou ontem que "não é possível impor uma prisão perpétua a algumas nações que já fizeram sacrifícios consideráveis, se os seus povos não vêem os resultados desses esforços".
Alguns viram logo estas palavras como uma luz ao fundo do túnel da desgraça indígena. O desespero tem destas coisas. Hoje, o jornal Público, no seu editorial, até decidiu expressar um merci ao Monsieur President. E o Público explica que “nesta declaração há não só uma declaração ética sobre a austeridade como uma constatação realista dos seus efeitos.”
Provavelmente, os editorialistas do Público esqueceram-se que Hollande apresentou recentemente um orçamento de austeridade, que vai contra tudo o que o homem tem andado a pregar. Dans la realité, cela se passe autrement.
Ontem, Hollande declarou ainda que "a Europa da moeda única – “requer uma nova forma de governar” e “deve assumir uma dimensão política”. Hoje, em resposta a declarações de Merkel, o governo francês já fez saber que não aceita novas transferências de soberania" para a UE em matéria orçamental.”  
A manifestação de solidariedade com a dor dos gregos e portugueses não passou de um pretexto para Hollande pressionar a Alemanha a abrir os cordões à bolsa. E a “nova forma de governar” invocada pelo Presidente resume-se basicamente a isto: os alemães têm de pagar as políticas de crescimento económico. Da França. Bien sûr.

Terei descoberto o modelo de Vítor Gaspar?

Ontem fiz umas contas nas costas de um guardanapo, para explicar a uma amiga que estava de visita a Portugal o impacto recessivo das medidas de austeridade.
Imaginem um país com um PIB de cerca de 166.500 milhões de euros com um Estado que apresenta um défice orçamental de 10.000 milhões de euros, ou seja, com um défice orçamental de 6% (10/166,5=0,06). Suponham que o governo desse país resolve levar a cabo medidas fiscais de austeridade com um impacto imediato de 5.000 milhões de euros. Qual será o impacto de tal política no défice?
O impacto imediato é o da redução do défice de 10 para 5 mil milhões de euros. No entanto, é preciso ter em atenção que o PIB vai contrair como consequência desta política o que levará a uma diminuição das receitas fiscais. Já toda a gente sabe que, de acordo com o FMI, o multiplicador fiscal andará entre 0,9 e 1,7. Considerando o ponto médio, ou seja 1,3, é de esperar que a queda do PIB seja de 6.500 milhões de euros (5x1,3=6,5). Dado que as receitas de impostos representam um pouco mais de 35%, de uma forma bastante grosseira podemos estimar a queda de receitas que decorre desta quebra do PIB em cerca de 2,275 milhões de euros (6,5*0,35=2,275).
Juntando todas estas contas, e admito que tudo isto é bastante grosseiro, ficamos com um défice de (10.000-5.000+2.275)/(166.500-6.500)*100. Quanto é que dá? Como certamente já adivinharam, isto tudo acaba num défice de 4,5%. E esta?

Orçamento e alternativas (3)

O Fernando diz aí em baixo que eu coloco a minha "esperança no regresso do crescimento económico". Sobre isso gostaria de dizer duas coisas:
  1. O caminho que defendi como sendo razoável trilhar a curto e médio prazo é independente de a taxa de crescimento do PIB ser de mais 0,3% ou menos 2%. O que é relevante para a minha argumentação é o pressuposto de que qualquer que fosse o crescimento, o anunciado napalm fiscal faz com que seja ainda pior. Quando muito, o facto de as perspectivas futuras serem pouco animadoras apenas reforça a minha preocupação: quanto maior for a quebra do rendimento, mais estúpido é aumentar os impostos sobre o rendimento.
  2. O Fernando pega nas previsões do FMI para pôr de parte a hipótese de haver crescimento. Ora, ou as previsões do FMI são para levar a sério ou não. Se não são, não devem ser usadas como argumentação, se são então levemos as suas consequências até ao fim. Para Portugal o FMI prevê uma queda do PIB de 1%. Juntando esta informação aos multiplicadores fiscais estimados pelo mesmo FMI (mesmo considerando que o multiplicador é de 0,5 inicialmente estimado e não o de 1,3 reestimado no documento a que Fernando nos remete) conclui-se que a taxa de crescimento não seria negativa caso se mantivesse para 2013 a política fiscal de 2012.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Alternativas, vindas da Europa

Título da notícia da entrevista de François Hollande ao Público:
'Portugueses e espanhóis precisam de 'uma perspectiva que não seja apenas a da austeridade'.

Esta entrevista, como a de Mário Draghi em julho, mostra que estamos mais perto de uma solução europeia. A solução de curto prazo passa necessariamente por aí.

Mas é importante que todos percebam o que está subjacente àquela perspectiva. E François Hollande é claro em relação a isso:

"a Europa da moeda única – “requer uma nova forma de governar” e “deve assumir uma dimensão política” (...) “Estou consciente da sensibilidade dos nossos amigos alemães perante a dívida. Quem paga deve controlar, quem paga deve sancionar”." 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Orçamento e alternativas (2)


Muito se tem escrito sobre as alternativas às actuais políticas decorrentes da assinatura do memorando de entendimento entre o Governo português e a troika. Desde o artigo, quase cómico, de Pacheco Pereira, no Público de 29 de Setembro, onde diz que já não pode ouvir dizer ‘que não há alternativas’ e que como alternativa sugere uma medida que depois diz já não poder ser alternativa, a Bagão Félix cuja preocupação central são os reformados como ele próprio afectados pelos cortes, a Pedro Lains e Luís Aguiar-Conraria que parecem colocar a sua esperança no regresso do crescimento económico. Há depois muitas pessoas a falarem da existência de alternativas, mas que não chegam a 'sistematizá-las'. E há ainda a alternativa de João Ferreira do Amaral, que defende a saída do euro – no fundo esta é a única proposta alternativa coerente, mas cujos resultados seriam desastrosos para a economia portuguesa.

A única alternativa efectiva em termos de política económica – acredito que subjacente em alguns dos casos que menciono acima – é a renegociação do memorando de entendimento com a troika. No entanto, para poder ser de facto uma alternativa, a renegociação terá de ser da iniciativa da União Europeia e tomada no âmbito de uma política global para a zona euro.
  
Em primeiro lugar, a Comissão Europeia é uma das principais responsáveis pela actual crise na zona euro. Por um lado, permitiu as constantes violações (explícitas e implícitas do PEC), permitindo assim a acumulação de défices e de dívida pública que viriam a resultar nas crises de dívida soberana. Por outro lado, os défices colossais em Portugal, na Espanha e na Grécia, em 2009, foram sancionados e estimulados pela Comissão Europeia, agravando ainda mais os desequilíbrios na zona euro e dando origem aos processos de consolidação orçamental que ainda hoje vivemos. Um exemplo: em 2009, a taxa de crescimento do PIB na Alemanha foi -5%, e o défice orçamental 3%. Em Portugal e na Espanha, em 2009, as taxas de crescimento do PIB foram -2,9% e -3,7% e os défices 10,2% e 11,2%, respectivamente. Ou seja, a União Europeia tem a obrigação de ajudar a resolver um problema que ajudou a criar.     

Em segundo lugar, a União Europeia terá de rever todos os programas de ajustamento porque o panorama para o crescimento económico nas economias desenvolvidas, incluindo a zona euro, é simplesmente desolador. De facto, no WEO do FMI publicado a semana passada, de muito maior relevo, para a discussão da saída da crise da economia portuguesa, que a Caixa com as estimações dos efeitos multiplicadores, é a Tabela 1 (pp. 2) com as projeções de crescimento económico. Com estas previsões não é só a dívida portuguesa que se vai tornar incontrolável. Também por esta razão a União Europeia vai ser obrigada a mudar a abordagem seguida até ao momento.

E esta é de facto, pelo menos no curto prazo, uma alternativa, porque será uma resposta europeia à crise e não apenas à crise portuguesa por não termos cumprido o programa acordado.

No entanto, confesso que também não estou muito optimista em relação aos efeitos de médio e longo prazo dessa solução para a crise da União Europeia, como já escrevi aqui com o Pedro Bação. Mas para lá chegarmos precisamos de resolver urgentemente as dificuldades de ajustamento de curto prazo.

Orçamento e alternativas (1)

A agitação que se sente no ar e, por vezes, nas ruas, desde o início de Setembro, resulta da surpresa que todos sentimos quando foram conhecidos os resultados decepcionantes da execução orçamental em 2012. O próprio governo, incluindo o ministro das finanças, parece ter perdido o norte com aquelas notícias – é a minha explicação para a proposta trapalhona para a TSU e outras confusões ‘governativas’.

De facto, os resultados para a execução orçamental mostraram duas coisas. Em primeiro lugar, que pode ser impossível corrigir o défice, e estancar o crescimento da dívida pública, no contexto recessivo e de estagnação que atinge Portugal e grande parte dos seus parceiros comerciais da zona euro. Ficou também claro que a austeridade pode ser altamente recessiva, e que esta, por sua vez, pode impedir a consolidação orçamental.

Em segundo lugar, os resultados da execução orçamental mostraram que os portugueses não tinham ainda tomado consciência do quão difícil ia ser o ajustamento. No entanto, pensar que se corrigiam os desmandos de 20 anos, e o mais irresponsável dos défices, o de 2009, com um orçamento, só pode resultar do desconhecimento da gravidade dos desequilíbrios de que a economia portuguesa padece (e do contexto internacional em que acontece). Também aqui o governo tem muitas responsabilidades, a começar pelo Primeiro-Ministro – o discurso de final de Agosto pareceu mostrar que ele próprio desconhece que a correção dos desequilíbrios da economia portuguesa tem ainda alguns anos pela frente. Está a ser, como se previa, muito difícil aos políticos portugueses adequarem o seu discurso: nestes tempos e nos mais próximos, a única coisa que os políticos terão para distribuir são sacrifícios. E é na equidade dessa distribuição, e da sua percepção pela opinião pública, que assenta a estabilidade da democracia portuguesa.

De facto, a correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa passa pela redução do endividamento privado, das famílias e das empresas, e, logo, pela redução do consumo e do investimento – com forte probabilidade, essa redução manter-se-á, em 2013, em níveis semelhantes aos deste ano (sim, acho as previsões do orçamento optimistas). Essa queda no consumo e no investimento gerará efeitos recessivos na economia. Os sectores que utilizam mais mão-de-obra, os não-transacionáveis, serão os mais afectados, e, também por isso, o desemprego continuará galopante. Mas, provavelmente, os resultados para a nossa balança de bens e serviços serão novamente surpreendentes.

E o Estado tem também de corrigir os seus desequilíbrios – que resultam do inexorável, e insustentável, crescimento da despesa pública nas últimas três décadas. No entanto, a redução da despesa, porque são também quase sempre reduções rendimentos das pessoas (tal como o aumento dos impostos), não é fácil de fazer (e o Tribunal Constitucional não gosta delas!). 

Se o governo, na proposta de orçamento para 2013, tivesse optado por políticas menos restritivas, o défice orçamental ia aumentar – e isso não pode acontecer. Com este orçamento a correção do défice pode não ser muito grande e ser até, uma vez mais, uma desilusão, mas, no actual contexto, não há alternativa – pelo menos para mim, que não consigo vislumbrar futuro fora da zona euro e da União Europeia.

domingo, 14 de outubro de 2012

Pequenos passos (actualizado em 21 de Outubro)

Subiram-se diversos impostos e cortaram-se dois vencimentos aos funcionários públicos e reformados. Sequencialmente, o desemprego disparou para os 16% e reduziu-se o défice de 7,1% em 2011 para 6,3% em 2012. Para 2013, foi anunciado mais do mesmo. Quem acredita que estes cortes draconianos são a política correcta, precisa de quanta evidência em contrário para concluir que estão errados? No meu caso, bastaram os números do défice de 2012.
Foi este o mote para um artigo de opinião que ontem o Público teve a gentileza de publicar e que republico aqui uma semana depois:

Quando foi anunciado o pacote de austeridade para 2012, assustei-me com a dimensão dos cortes. Juntando ao de 2011, eu perderia cerca de 25% do meu salário. Apesar de tudo, e acreditava nisto com convicção, pensava que se a terapia de choque permitisse ir além do acordado com a tróica, reduzindo o défice para menos de 4,5%, valeria a pena.
Sabemos os resultados: subiram-se diversos impostos e cortaram-se dois vencimentos aos funcionários públicos e reformados. Sequencialmente, o desemprego disparou para os 16% e reduziu-se o défice de 7,1% em 2011 para 6,3% em 2012.* Para reduzir o défice em 0,8 pontos percentuais era mesmo necessário tanto corte? Ou, pelo contrário, os efeitos recessivos foram tão fortes que a política seguida se derrotou a si mesma? Só não digo que não serviu para nada porque, de facto, o défice das contas com o exterior está quase anulado.
Para 2013, foram anunciadas medidas adicionais de um valor ainda desconhecido mas que ficará algures entre os 5 e os 6 mil milhões de euros. A história recente sugere que, na melhor das hipóteses, conseguiremos reduzir o défice de 6,3% para 5,5%, que o desemprego disparará para valores acima dos 17% e que o PIB cairá cerca de 2%.
Quem acredita que estes cortes draconianos são a política correcta, precisa de quanta evidência em contrário para concluir que estão erradas? No meu caso, os números para o défice de 2012 obrigam-me questionar as minhas certezas e a pensar em alternativas.
Políticas despesistas acentuariam o desequilíbrio externo. Uma política prudente seria manter a despesa pública e as taxas de impostos estáveis (fazendo os ajustamentos exigidos pelo Tribunal Constitucional). Com toda a probabilidade, o PIB pararia de cair em 2013 e as receitas fiscais cresceriam com o crescimento da economia. O crescimento económico seria maior se se obrigasse empresas com mercados protegidos a cobrar preços concorrenciais - de resto, é para isso que existem os reguladores sectoriais. A combinação do aumento de receitas fiscais, com algum crescimento económico, mesmo que sofrível, com alguns cortes que se pudessem fazer na despesa - redução de consumos intermédios, um corte feito com seriedade nos gastos com fundações e PPP e alguma racionalização de serviços públicos -, seria suficiente para fazer cair o défice em percentagem do PIB para um valor próximo do que vai ser obtido com os aumentos draconianos nos impostos. Se, a nível europeu, vier a ser criada uma taxa Tobin sobre transacções financeiras, estes efeitos serão maiores e compensarão algum excesso de optimismo da minha parte relativamente ao crescimento do PIB.
Apesar de corrigido o défice externo, convém não esquecer que tal aconteceu devido ao aumento do desemprego e queda de rendimentos de parte da população, que levou a uma quebra da procura interna e, portanto, das importações. Adicionalmente, o aumento das exportações ainda não está consolidado. Para garantir um equilíbrio externo e duradouro, é crucial que futuros aumentos da procura interna sejam resultado de aumentos das exportações.
Um empurrão adicional às exportações pode ser conseguido com a TSU como instrumento preferencial. O Professor Caldeira Cabral propôs uma queda significativa da TSU apenas para sectores sujeitos à concorrência internacional, o que teria impacto orçamental limitado. Mais tarde, quando houvesse condições orçamentais, poder-se-ia alargar a redução da TSU a toda a economia. Quer para garantir a aprovação da Comissão Europeia, quer porque é do nosso interesse a longo prazo, deve ficar absolutamente claro que esta diferenciação de impostos é temporária. A criação de linhas de empréstimos específicas para o apoio à actividade exportadora, podendo para isso usar-se parte dos fundos da tróica destinados à banca, seria também muito bem recebida pelas empresas. Se a Caixa Geral de Depósitos não é usada com este fim num momento de emergência nacional, então para que serve a Caixa nas mãos do Estado?
Para conter o aumento da despesa interna devem-se iniciar reformas estruturais na Segurança Social, que são inevitáveis, passando de um sistema de repartição para um sistema de capitalização. O aumento da taxa de poupança daí decorrente garantiria que a um crescimento do PIB corresponderia um aumento menos do que proporcional da procura interna.
Como seriam aceites internacionalmente estas políticas? É óbvio que todas estas medidas não podem ser seguidas à revelia da tróica. Adicionalmente, para ter credibilidade, seria necessário um pacto entre os três partidos do arco governativo que garantisse que a despesa pública não aumentaria durante um período alargado de tempo - 5 anos, digamos. Firmar-se-ia este compromisso na lei do enquadramento orçamental exigindo dois terços dos votos para ser alterada. Como forma de controlo, exigir-se-ia que cada Orçamento de Estado só entraria em vigor depois de ratificado pelo Tribunal de Contas, garantindo que a despesa orçamentada não excede a do ano anterior.
Se credível, o compromisso teria dois efeitos essenciais: (1) no curto prazo, travar-se-ia esta política que cria tanto desemprego e dar-se-ia a necessária estabilidade às empresas para investir; (2) no longo prazo, o Estado teria de redimensionar-se. Com a despesa pública estável em termos reais, o crescimento do PIB será suficiente para que, no fim deste período, a despesa pública represente menos de 40% do PIB, um valor bem abaixo da média europeia. A enorme vantagem de seguir uma política de pequenos passos é que se um deles estiver errado, não nos afastamos muito na direcção errada.
O consenso político é difícil de alcançar, mas ou se consegue agora ou nunca mais. Tem de se resgatar o "espírito" do memorando quando foi assinado - uma oportunidade para reforma - corrigindo medidas que falharam e garantindo que, havendo um compromisso a médio prazo sobre contenção da despesa, futuros governos ainda terão liberdade para fazer escolhas. Consensos e compromissos nalgumas áreas são a condição para que haja alternativas futuras noutras.

* Considero o valor de 7,9% para 2011, que corresponde ao défice sem a transferência dos fundos de pensões dos bancos corrigido dos efeitos da Madeira (0,4%) e do BPN (0,4%). Para 2012, sabe-se que no primeiro semestre o défice foi de 6,8%. O número de 6,3% é o que provavelmente se obteria sem medidas extraordinárias.

sábado, 13 de outubro de 2012

Nuno Crato demite-se?

Em 2012, passava-se algo estranho. Um assistente universitário que concluísse o doutoramento passava por imperativo legal para professor auxiliar, continuando a ser pago como assistente. Mas um professor auxiliar contratado na mesma universidade por concurso seria pago como professor auxiliar. Assim, na mesma instituição podem conviver dois docentes contratados como professores auxiliares no mesmo dia, com exactamente os mesmos direitos e obrigações, estando um a receber como professor auxiliar e outro como assistente. Esta situação viola de forma óbvia o preceito constitucional de que a trabalho igual corresponde salário igual (Artigo 59º: 1. Todos os trabalhadores (…) têm direito: a) À retribuição do trabalho (…), observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna). Esta ilegalidade afecta cerca de 0,2% dos professores universitários.

Há umas semanas, o ministro da educação anunciou o que no entender dele era uma mera correcção de uma ilegalidade: todos os docentes do Ensino Superior contratados nas categoria de professor auxiliar passariam a ter as remunerações correspondentes a essa categoria, em vez de serem remunerados como assistentes, categoria profissional que deixou de existir por imposição legal, diga-se de passagem.

As notícias de hoje a respeito do Orçamento de Estado para 2013 dizem que afinal alguns professores auxiliares continuarão a ser pagos como assistentes. Ou as notícias são mentira, ou então, no entender do Ministro da Educação e Ciência, vai-se manter uma ilegalidade nas universidades por ele tuteladas. Sendo assim, não resta a Nuno Crato outra hipótese que não seja a demissão.

PS Professores-adjuntos (politécnicos) e coordenadores (carreira de investigação) estão em situação similar à dos auxiliares, mas como não tenho conhecimento directo da situação, para evitar imprecisões, não referi na entrada principal.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Prémio Nobel da Paz

É certo que o Nobel da Paz é um prémio político, mas por isso mesmo é necessário um cuidado adicional ao atribuí-lo. Depois de há uns tempos o terem atribuído a Barack Obama, recém-eleito presidente dos EUA, agora atribuí-lo à União Europeia leva a credibilidade deste prémio para as ruas da amargura. Quem o receberá a seguir? A Adriana Xavier?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Exportações, ouro e combustíveis


O jornal i e Luís Rocha (LR), no Blasfémias, destacam o crescente peso nas exportações das vendas de ouro e combustíveis. Se no caso do ouro deverá corresponder essencialmente a uma transferência de riqueza acumulada, no caso das exportações de combustíveis é de referir a forte componente importada.
Na tabela acima  mostro a evolução homóloga da Balança de Mercadorias, de janeiro a agosto, excluindo quer os metais preciosos quer os combustíveis. Sem estas duas classes de produtos, as exportações cresceriam ainda assim 6,2%, um valor inferior em um terço se considerarmos a totalidade de produtos (9,6%). Em termos reais, o crescimento deverá ser na ordem dos 4%. Por outro lado as importações diminuiriam 8,4%, o dobro da queda das importações totais. A variação do saldo em volume manter-se-ia, com uma redução na casa dos 4300 milhões de euros, embora com um contributo mais significativo da redução das importações.
Em suma, ainda é cedo para falar numa alteração profunda da estrutura da economia portuguesa. Há sinais positivos, até porque não estamos a ter em conta as exportações de serviços, mas não deixa de ser relevante que 2/3 da diminuição do déficit externo se deva à diminuição das importações.


domingo, 7 de outubro de 2012

Espanha à espera do resgate

No primeiro debate com Obama, Mitt Romney referiu o caso de Espanha para ilustrar aquilo que não quer para os EUA. Segundo o candidato mórmon-republicano, a Espanha gasta 42% da sua riqueza com o Estado, o mesmo acontecendo neste momento nos EUA – Obama não contestou os dados.
À primeira vista, o principal problema de Espanha não é o peso das despesas do Estado. Segundo dados do Eurostat, em 2011, os gastos públicos em Espanha ascendiam a 43,6%, abaixo da média da União Europeia, que supera os 49%, sendo a França, a Bélgica, a Dinamarca e a Finlândia os campeões nesta matéria, com o Estado a pesar mais de 53%. O problema é que os gastos públicos espanhóis são em larga medida ineficientes e, sobretudo, são incomportáveis para o rendimento gerado pelo país. E, como relembrou Romney, numa situação de recessão, as contas públicas não se equilibram com aumentos de impostos.
A referência a Espanha como exemplo de um fracasso não é, todavia, novidade. Sarkozy fez o mesmo recentemente na campanha eleitoral para as presidenciais em França. Obviamente, este tipo de comentários não são fáceis de engolir num país que até há meia dúzia de anos era apontado como um milagre. Andar de cavalo para burro é sempre uma experiência dolorosa.
Na quinta-feira, Luis Maria Linde, Governador do Banco de Espanha, e um economista respeitado em Espanha, chamou a atenção, no Congresso, para a enorme probabilidade de não se cumprir o défice público de 6,3% previsto para este ano. Em relação ao orçamento de 2013, considera optimista a previsão do governo de queda do PIB de apenas 0,5% - sendo, na sua opinião, 1,5% o valor mais realista. Em consequência, as receitas fiscais também devem estar sobrestimadas, sugerindo Linde “medidas de ajuste adicional”. Ainda esta semana, um ex alto dirigente da Moody’s afirmou que a Espanha tem o maior problema de dívida soberana desde o caso da Alemanha em 1931.
Entretanto, paira a ameaça de independência da Catalunha, que, embora improvável, tornou evidente para toda a gente o fracasso de um modelo autonómico, consagrado na constituição de 1978, e elogiado durante anos por muitos. De repente, os espanhóis descobriram um Estado ingovernável, um labirinto de competências e autoridades, que devora milhares de milhões só em despesas de funcionamento. A reforma deste modelo é agora motivo para discussões acaloradas.
Como se tudo isto não bastasse, segundo dados do Ministério de Empleo, referentes a Outubro de 2011, 22% da população encontra-se abaixo do limiar da pobreza – essa percentagem era de 18% em 2007. Por seu lado, na época de maior crescimento, a taxa de desemprego rondava os 8% e agora ronda os 25%.
E é neste estado calamitoso que a Espanha se prepara para receber a terapia de choque da troika. Para nosso bem, esperamos que resista ao tratamento.

sábado, 6 de outubro de 2012

DOIS RIOS PARALELOS

Pacheco Pereira
http://abrupto.blogspot.pt/2012/10/coisas-da-sabado-dois-rios-paralelos.html

A contestação ao governo passa hoje por dois rios, caudalosos, prestes a sair das margens, mas que são distintos e paralelos. 

O RIO DE 15 DE SETEMBRO 

Um dos rios, o mais caudaloso, mas sem foz à vista, fazendo o seu leito de cheias e secas, é o das manifestações como a de 15 de Setembro, apenas comparável á que antecedeu a queda do José Sócrates, conhecida como a da “geração á rasca”. O mito diz que foi convocada nas redes sociais, mas a realidade é que foi convocada pelos jornais e pela televisão, pela activa e militante simpatia de muitos jornalistas com um tempo de antena excepcional, e foi “convocada” porque as peripécias da TSU entre o Pedro Primeiro-ministro e o “Pedro” do Facebook, mais a logomaquia de Gaspar, encheu o copo da “paciência” do bom povo português. 

 Os jornais fazem reportagens sobre os “autores” do protesto nas redes sociais, numa típica ilusão de autoria, convencidos que foram eles que trouxeram muitos milhares de pessoas à rua. Puro engano, muitas vezes os mesmos, quando isolados do amplificador comunicacional, nem cem pessoas trazem à rua. Há muito mais manifestações falhadas com a mesma origem do que sucedidas. São os mesmos e actuam nas mesmas redes, mas os resultados são abissalmente diferentes. Aliás, se não houvesse TSU, a manifestação de 15 de Setembro seria muito parecida com outras com a mesma origem, com dificuldade em atingir um milhar. Foi assim com a manifestação anti-Relvas, com as “assembleias populares”, ou a concentração dos “defensores da cultura”, que nem cem pessoas tinha 

Mas não foi. O caso da manifestação de 15 de Setembro, o sucesso deveu-se a uma razão: foi não-partidária e mesmo anti-partidária, e foi contra a “situação”. A “situação” é tudo: TSU, troika, governo, partidos, políticos, “regime”, “sistema”, Presidente, Assembleia, deputados, comentadores, jornalistas, juízes, magistrados, tudo. Teve lá desde a extrema-esquerda até à extrema-direita, mas o grosso da multidão é apenas extrema na sua recusa do presente e na sua desesperança face ao futuro. Estão com raiva. 

É um poderoso movimento de protesto, mas no dia seguinte pode ser apropriado ilusoriamente pela mesma “situação” que tinha sido insultada e vaiada no dia anterior. Os elogios à manifestação, vindos de governantes e do PSD e do PS, soam a falso, mas traduzem, para além do oportunismo de ocasião, uma maior facilidade por parte do sistema político para “integrar” essa realidade que lhes parece inconsequente do ponto de vista político. Houve descontentamento? Certamente que houve, dirá um deputado da maioria, mas foi “pacífico” e “ordeiro” e nós podemos ouvi-lo porque não somos surdos, mas como não o encontramos nas esquinas da Assembleia, nem dentro do partido, nem em qualquer “força de bloqueio”, seja o Tribunal Constitucional, seja o Presidente, podemos fazer de conta e andar para a frente. Prestamos-lhe um elogio formal qualquer de circunstância, mas podemos passar á frente, porque não conta, não está no “sistema”, não nos ameaça. É cegueira quanto ao fundo, mas não deixa de ter alguma razão a curto prazo. 

 O RIO DE 29 DE SETEMBRO 

O outro rio está igualmente caudaloso, mas tem foz e leito e sabe muito bem o que quer e di-lo cada vez mais. A manifestação da CGTP era muito mais difícil de fazer com sucesso do que a de 15 de Setembro. Não contava com a mesma simpatia comunicacional que a de 15 de Setembro, e teve que ser sujeita a uma agenda comunicacional assente na comparação de números com a anterior. Com toda a força que tem o pensamento débil, parecia que as redacções não queriam fazer mais nada do que saber se uma era maior do que a outra, se a multidão cabia no Terreiro do Paço cuja medida “cientifica” foi contraposta á de uma Praça de Espanha, nunca medida, nem cheia. A tendência para o exagero dos números de dia 15, contrastava aqui com a minimização, e como a cabeça não dava para muito mais, não viam o muito que havia para ver de novo no dia 29 de Setembro. Da mesma maneira que elogiavam a manifestação de 15 de Setembro para a engolir, o establishment fazia de conta que a 29 apenas tinha havido um remake das sempre iguais e sensaboronas manifestações da CGTP. 

Sindicatos e CGTP são para eles “velhos”, desinteressantes e de cassete, e prestaram pouca atenção ao facto de Arménio Carlos ter feito o mais violento discurso comunista desde o PREC, a milhas do moderado Jerónimo de Sousa, dirigindo-se quase sempre aos “camaradas” e só no fim se lembrou dos “amigos e amigas”. Não viram a multidão a cantar A Internacional, não viram aquilo que foi o mais evidente sinal de uma radicalização nas fileiras do PCP desde há anos de crise. Ora isso não só é novo, como dá uma dimensão que ao governo e o poder devia suscitar as maiores preocupações. Até porque se deve ao PCP e quase só ao PCP e à CGTP o clima de “paciência” do povo português e não haver violência nas ruas. Arménio Carlos afirmou que a CGTP não permitiria violência na sua manifestação e quem lá estava sabe que isso é para tomar á letra, como sabe a polícia que confia mais no serviço de ordem da CGTP do que em milhares de efectivos. O PCP, por cultura política, despreza a violência folclórica dos esquerdistas actuais, mas é tudo menos um touro manso. 

A CGTP e o PCP estão cada vez mais a dar expressão a uma radicalidade que vem de baixo, dos locais de trabalho, seja na função pública maltratada, seja nas fábricas onde há despedimentos colectivos, seja em sectores de trabalhadores que são tratados com desprezo por administrações que estão a rasgar acordos que assinaram há um ano. Se houver greve geral podem ter a certeza que será muito mais dura. Pode até haver menos grevistas, mas os piquetes vão tomar a sua função a sério. Porque este não é o mundo das raparigas a abraçar polícias e depois andar a tirar fotografias em pose para revistas cor-de-rosa. 

 A FOZ DOS RIOS 

No dia em que a planície entre estes dois rios for inundada e as águas se juntarem numa mesma foz, a rua tornará ingovernável o país. É raro, vem pouco nos manuais, apenas nos melhores, mas está cada vez mais perto de acontecer.